O que faz falta
No livro "Abraço" do José Luís Peixoto li um texto sobre uma cabine telefónica. Aqui fica o excerto de quando o Zé Luís, como lhe chamava a avó, era pequeno:
"Mesmo muitos anos depois de ter sido instalada, a cabine telefónica não tinha qualquer risco ou sujidade. Aquele era um lugar que todas as pessoas da terra estimavam, como poderiam estimar um relógio antigo, ou qualquer objecto precioso. Muitas vezes de manhã, ao passar pelo terreiro, vi mulheres que moravam perto da cabine telefónica a lavá-la. Utilizavam água, que despejavam e que escorria, suja, ao longo das regadeiras. Utilizavam líquido dos vidros, que esfregavam com folhas de jornal. Nas outras ruas da vila, era exactamente assim que acontecia também com os caixotes do lixo. As pessoas que moravam perto dividiam entre si os dias em que os lavavam com vassouras, com baldes cheios de água. Depois viravam-nos ao contrário para secarem".
Acho que é disto que temos falta, do sentimento de bem comum, de responsabilidade sobre as coisas que são de todos e não são de ninguém. Ainda há uns dias, em conversa indignada com os meus pais sobre um rapaz que deitou um papel para o chão, estando ao lado de um adulto que nada fez, comentava o meu pai que os seus alunos (crianças!) se virem um casaco no chão, deixam ficar. "Não é meu!" é a resposta. E ainda por cima são perfeitamente capazes de lhe passar por cima. Afinal, não é deles!