Difícil é surpreender o outro
Escrevia ontem, num dos postais, que o mais difícil deste desafio era decidir a quem enviar. Mas hoje já não estou tão certa disso. Para quem não sabe, Fevereiro está a ser o mês dos desafios: o de destralhar e o de escrever uma carta ou postal por dia.
Escrever um postal a alguém é coisa em desuso. Escrever uma carta então… nem se fala. E depois de pensar um pouco no que estava a ser mais difícil para mim cheguei à conclusão que decidir a quem enviar pode ser um exercício sim, mas decidir o que escrever é muito mais complicado.
Escreviam-se cartas para partilhar o que se passava nas nossas vidas quando ainda havia fronteiras, quando se esperava pela resposta que demorava um tempo incalculável, quando estávamos com aqueles a quem escrevíamos com muito pouca regularidade, a familiares ou amigos que moravam noutras terras ou noutros países. Não havia o e-mail, não havia telemóvel, não havia internet, muito menos redes sociais. E tudo era surpresa.
Quando recebíamos uma carta líamos aquelas linhas quase como se fosse um capítulo de um livro, daqueles livros em fascículos que saíam semanalmente no jornal. Havia uma reposta a essa carta e continuávamos à espera dos desenvolvimentos dessa conversa.
Hoje, quase nada é surpresa. O facto de estarmos todos ligados, de estarmos próximos e à distância de um click tem imensas coisas positivas. Ter amigos e família a viver noutros países e isso ser quase como tê-los próximos é muito bom. Falar com mais regularidade e poder partilhar o que se passa na nossa vidinha quase de forma instantânea, também. Mas quando chega a altura de escrever uma carta… arriscava até dizer: quando chega a altura de estarmos juntos quando não nos víamos há muito tempo… nessa altura… tenho de admitir que aquele entusiasmo da surpresa, aquele momento em que pomos a conversa em dia, em que contamos novidades, progressos, alegrias e tristezas… esse momento perdeu-se.
Por isso, embora tenha escrito ontem que o mais difícil era decidir a quem enviar, retiro o que disse. Difícil é mesmo escrever. Escrever e contar novidades. Quase que já só podemos escrever, e partilhar com o outro, os nossos segredos. Aquilo que não contamos a ninguém. Os nossos medos, as nossas mais pequenas alegrias, aquilo que não publicamos numa rede social, não dizemos por whatsapp. Se calhar é por isto que muitos dizem que escrever cartas e postais é coisa de outro tempo. Não propriamente pelo tempo em si, nem pelo gesto, mas sim pelo difícil que é descobrir aquilo que irá surpreender o outro, aquilo que o fará ficar de olhos esbugalhados ou aquilo que fará com que todos os dias abra a caixa do correio na esperança de lá encontrar notícias nossas.