CERTEZA DE NADA
Descobri a Papel através de um texto que uma amiga colocou no Livro das Caras. Não conhecia mas gostei do que vi, li e ouvi! Conheci uma música que já ouvi vezes sem conta e sorri a ler textos divertidos. Alguns...atrevidos! :) Gostei muito deste da Patrícia Torres que aqui partilho convosco.
"Do alto dos seus oito anos, Mariana respondia à mãe: – Mas eu tenho a certeza, a certeza absoluta, certeza, certezinha…
A mãe, então, pergunta: – De onde chega essa certeza toda, sabes dizer-me?
- De onde?
- Sim, de onde vem essa certeza toda, Mariana?
Aos oito anos as certezas não chegam de lado nenhum. Elas estão dentro de nós, mas mesmo à superfície do que há dentro de nós.
Assim: primeiro vemos a pele, mas se descascarmos a pele com a ponta da unha, logo por baixo estão as certezas, todas elas.
A certeza que se prefere chocolate preto a branco, a certeza que se gosta mais do recreio que das aulas, do Verão que do Inverno, de correr que de dormir, que se prefere a luz ao escuro – aos oitos anos ninguém tem dúvidas disto.
As certezas dos oito anos dormem connosco. São os lençóis brancos esticados de fresco, puxados mil vezes até às orelhas, o cheiro a champô do banho espalhado pela cabeça, depois da praia, o lanche na lancheira, o almoço no prato, o jantar na mesa.
Quando um dia de manhã acordamos e damos conta que os oito anos passaram, a certezas que eram pele e epiderme, são agora tendões e músculos, capazes de nos fazer levantar da cama e correr mundo. Temos 20 anos. Somos tão imortais como as palavras dos livros que lemos, como as imagens dos filmes que vemos, voamos ao som das músicas que ouvimos. Trazemos o mundo na boca, como se ele fosse uma laranja, por vezes mecânica, quase sempre agridoce, mas tanto faz porque de certeza que somos livres.
E depois o amor. O sabor do amor na boca, como uma laranja, mecânica e agridoce. Mas somos livres. Temos essa certeza da imortalidade e o amor não abandona os imortais.
Aos 30, pela primeira vez, dá-se o choque: não há certezas. De nada! E nesse momento qualquer coisa profunda morre em nós. Se é na pele, na epiderme, nos músculos ou nos tendões, ninguém sabe. Mas que morre, morre.
A partir daí o mundo não é laranja, é de todas as cores e formas, tão confuso. Tudo continua a ser possível, mas da maneira menos certa, ou certeira.
Ao contrário do que se fazia aos 20, aos 30 o espírito não adere de forma voluntária ou absoluta a qualquer livro, a qualquer filme, a qualquer música. Voar passou de repente a parecer-nos perigoso. E o amor também.
Mãe, se aos oito anos eu pudesse ter-lhe respondido assim, provavelmente a mãe olharia para mim assustada. E eu não iria entender nada da sua preocupação, das suas incertezas, dos seus receios sobre o meu futuro. Mas a minha resposta nem chegou porque a mãe aproximou-se, afastou a minha franja curtinha da testa e colou nela os seu lábios, ao mesmo tempo que sorria e me ordenava que fosse brincar.
A minha mãe sabia que um dia eu ia ser capaz de lhe responder. Mas de onde lhe veio essa certeza, não sei."