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Edição Limitada

“Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito”. Clarice Lispector

Edição Limitada

“Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito”. Clarice Lispector

"Todas as noites podemos voltar a ter dois anos"

Sabem quando ouvem uma música e vos sabe a Verão? Ou quando sentem aquela brisa suave e morna nas primeiras noites quentes de Maio? Ou ainda aquele momento em que comem o primeiro gelado do ano, aquele que vai marcar a época? Tudo isso me remete para as férias de Verão. Para as alegrias que essa Estação nos traz. Para as memórias que cria.

 

No caminho para o trabalho, num metro a abarrotar, ouvi o podcast d’O Livro do Dia, com o Carlos Vaz Marques. E por momentos o mundo parecia ter parado. Boa esta sensação de irmos isolados no meio da multidão. Como se o mundo deixasse de existir.

 

O podcast começa logo com duas frases bonitas: “Não temos mais começos” do George Steiner – que pode fazer pensar, e “Tenho a cabeça cheia de Fábulas” da autora do livro do qual nos vai falar, Lídia Jorge.

 

Escolheu o texto que se segue para ilustrar o livro do dia. Pesquisei-o para ser aqui fiel à sua reprodução na forma. Como não encontrei, tomei a liberdade de o deixar como prosa e não poesia, abusando da “designação genérica de “outras narrativas””. Independentemente da estrutura que tenha é sem dúvida pura poesia.

 

E por isso sugiro que o oiçam declamado pelo Carlos Vaz Marques antes até de o ler. Depois digam-se se não sentiram a brisa do mar, o cheiro a praia e um ou outro grão de areia no corpo. Digam lá se, mais logo ao final do dia, não vão deitar a cabeça na almofada e pensar que, apesar de tudo, “todas as noites podemos voltar a ter dois anos”?

 

O Livro do dia TSF é “O Livro das Tréguas” – Lídia Jorge, Edições Dom Quixote.

Quando os barcos caíam do céu e os remos separavam a verdura da terra avançávamos na água recolhendo redes. Os peixes saltavam das ondas e quando exibiam as escamas formavam-se nuvens de todas as cores. Vinham os vendavais e faziam a cama as gaivotas. Desses ovos nasciam pássaros desajeitados que afagávamos entre as nossas mãos. Jamais de algum deles saiu uma serpente que ameaçasse morder as crias das outras espécies. Veneno não havia. O grande perigo passava voando por cima das nossas cabeças e nós não o pressentíamos. Nunca, no nosso paraíso, encontrámos Adão ou Eva. Pelo contrário, o mar invadiu a terra, formaram-se seis continentes, todos os rios do Globo e não demos por nada. Em nossa ignorância estávamos sentados na areia, ansiosos por conhecer o que seria uma tempestade. E assim decorreu a infância. Todas as noites podemos voltar a ter dois anos.

A Infância do Mundo - Lídia Jorge

 

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