ANTES QUE COMECE A CHOVER
Vou sair de casa e aproveitar o dia!
Adoro dias livres em que posso passear sem destino marcado e sem relógio no pulso. É nesses dias que me sinto mais viva e que descubro a cidade onde vivo ou os locais por onde passo. Dias de liberdade!
Saí de casa para ir conhecer uma ervanária onde se pode encontrar ervas e chás para tudo. Onde quem nos atende é quase uma enciclopédia em formato de herbário, em formato de homem. “Para os nervos? Temos!”, “Para a dieta? Também temos!”, “Tensão arterial? Temos!”. Há literalmente de tudo como na farmácia!
Dirigi-me ao Chiado passando pel’A Outra Face da Lua para ver as “novidades”. No Chiado resolvi apanhar o eléctrico. Afinal de que serve ser livre se não podemos fazer escolhas? Começou a chover, tal como indicava a cor do céu. Largo da Graça!
Largo da Graça…Vila Berta! Há muito que queria visitá-la. A cor do céu não ajuda a enaltecer as cores desta Vila Operária. Calma e florida. “Aqui o jardim já floriu”. Agora já posso voltar a casa, basta apanhar o autocarro que me deixa à porta. Enquanto espero, surge um outro destino. Quando vim viver para Lisboa, divertia-me a apanhar autocarros que não sabia para onde iam nem por onde passavam. Repito por vezes esta diversão. O 30 leva-me para Picoas, certamente passará perto de um jardim que quero visitar. Bingo! Já passei por estas ruas numa outra tarde sem destino.
Campo Mártires da Pátria! Numa placa lê-se algo como “a beleza deste jardim depende de si”. A banda sonora depende dos galos. Nos vários espaços do jardim, um jardim no centro da cidade, há galos a cantar.
Passo pela estátua do Dr. Sousa Martins e passo os olhos pelas pequenas e muitas placas de mármore aos pés da mesma. Alguém sabe que terá feito, ou fará, este médico a quem tanta gente agradece?
E chego ao jardim! Que “segredo” bem guardado. Pequeno, com uma grande vista e espreguiçadeiras. Já imagino alguns finais de tarde na companhia de, pelo menos, um livro. Paro para apreciar a vista e descansar e recomeço a descoberta. Segue-se o Elevador do Lavra. Já subi a sua ladeira há muitos anos mas agora não encontro a entrada. Após umas quantas provas de nos países do Magreb serei sempre bem-vinda, encontro o que procurava.
Numa placa está a seguinte informação: “O ascensor mais antigo de Lisboa foi inaugurado em 19 de Abril de 1884 trabalhando nesse dia durante 16h seguidas e transportando gratuitamente mais de 3 mil passageiros. Funcionava pelo sistema de cremalheira e por contrapeso de água, passando a ser movido a electricidade em Dezembro de 1915.” Sento-me no banco corrido do elevador gémeo do elevador da Glória, mas muito mais solitário. Nesta viagem iremos apenas eu e a condutora. Uma viagem que dura poucos minutos. Arrisco 2, 2 minutos. Como saberá a senhora que deve voltar a descer, que chegou a hora da viagem? Sempre tive esta dúvida, mesmo num outro elevador, velhinho, cujo 100º aniversário teve direito a festa, muitas viagens e fogo-de-artifício. Acendem as luzes! É este o sinal.
De volta ao centro da cidade, há bifinhos au champion num dos restaurantes da Avenida. Praça da Alegria, Rua da Alegria, Príncipe Real. O tempo continua pouco simpático. Mais tarde a viagem recomeça. Camões, Chiado, Baixa, Alfama, Castelo. Mesa de esplanada em bairro típico, cervejas e tremoços, boa conversa que viaja da música à adolescência, da juventude a assuntos sérios, de cultura geral ao disparate total. E o dia chega ao fim. E valeu a pena. Sinto que hoje vivi as sete colinas, pena que tenha feito tudo isto sem a minha máquina fotográfica. Ficam as memórias e a promessa de repetir.